quinta-feira, 17 de julho de 2014

Deitados na tua cama, eu num canto enrolada no lençol com um seio indefeso de fora e tu no outro com as mãos atrás da cabeça e o peito desnudado, ambos virados para o céu separado por um teto e um candeeiro, permanecemos no mais constrangedor dos silêncios.
De vez em quando eu olhava-te pelo canto do olho e tu tinhas os olhos fechados, mas por algumas vezes apanhaste-me a apreciar cada traço teu. Houve até uma altura em que tocaste com os teus pés nos meus "para aquecer", disseste-me tu, mas o meu lado provocador levou-me a desviá-los só pelo prazer da tortura adocicada.
Depois fui eu que fechei os olhos, com a mente vazia de cenários mas tão cheia de expectativas, e quando os abri apanhei-te a mirares-me delicadamente, como só tu sabes fazer. E rimo-nos, envergonhados, com vontade de tantas coisas mais.
Ambos sentimos naquele momento a tesão que circulava em cada célula dos nossos corpos, percorrendo cada fibra de tecido dos lençóis e das almofadas, em cada mola do colchão, em cada pedaço de madeira da cama.
A tesão não tem cor no espectro humano, mas se tiver noutro qualquer, acho que deve ser branca incandescente, como só um sentimento puro deve ter, ou então dourada como só a alma deve ser. E tenho a impressão que se a conseguíssemos ver, teríamos ficado cegos naquele quarto.
Voltei a fechar os olhos, para sentir mais e mais; a minha frequência cardíaca aumentar, a minha mente a percorrer-te inteiro numa questão de milissegundos acabando por me desfazer em ti como algodão doce.

O amor deve ser como comer algodão doce: desfaz-se na boca, nunca chega ao estômago e não sacia a mente.

Depois de risos e lutas interiores, fechaste os olhos, eu fechei os meus com força e esperei.

De repente debruçaste sobre mim e sussurras-me ao ouvido "Que estupidez... estou aqui a controlar o que é tão óbvio, o que é tão natural e tão nosso. Que se foda a mente." e beijas-me ofegante como nunca beijaste, a tua mão outrora tímida afaga-me o seio indefeso e ganhas a coragem para leva-la mais longe até ao lugar onde o prazer é pecado para quem nunca amou.
Eu cedo à tua investida e com o meu braço puxo-te mais para mim, na tentativa de nos fundirmos e sermos novamente inteiros, como há muito não o éramos.
Tu despes-te de todo o pudor e cobres-me com o teu corpo inteiro, como se fosse inverno polar e possuis-me como se eu te tivesse vendido a minha alma e fosse no meio das pernas o único sitio viável para a resgatar.
A única coisa que consigo fazer é cantar a música universal dos gemidos, enquanto me consomes a alma que é tão tua desde há 1 ano e 7 meses.
Voltas-me a sussurrar ao ouvido e dizes-me "és tão gostosa" como se fossem as únicas palavras do teu dicionário, e por querer estar à tua altura retribuo "sou tua".
Não sei quanto tempo durou, mas pareceram anos. Eu em ti e tu em mim, como só o amor e a tesão mesclados devem ser, culminando com a explosão de cores, qual fogo de artifício em tempo de procissão.
Deixas-te cair e eu amparo-te com mestria, como sempre soube fazer. Ouço a tua respiração a voltar ao normal e quase que consigo contar as batidas do teu coração inundado de paixão.
Levantas a cabeça, olhas-me nos olhos, e como os teus estão tão brilhantes! Dás-me um beijo leve na testa "amo-te" e voltas para o teu canto da cama.

"Eu também te amo", e abro os olhos.
Olho para o lado e vejo-te a dormir aninhado e com a boca entreaberta no mesmo canto da cama de onde minutos (horas?) antes tinhas saído para reclamar o que sempre foi teu por direito.
Eu continuava deitada e virada para o céu onde já conseguia ver a escuridão sem teto e sem candeeiro.
Levantei-me, e pé ante pé abri a porta do quarto e fui.
Até me vestir e sair da tua casa foi um espaço de pouca coisa! Por entre "eu não entendo", "porque saiste da cama?", "estávamos numa boa", "eu sentia-me tão bem", saí sem olhar para trás.
Ficas a saber que eu não consigo controlar aquilo que de mais belo tenho: emoções, e que vivo delas como cada ser vivo vive do oxigénio. E ficas a saber que o controle obsessivo delas origina a longo prazo um vazio igual à morte.
Peguei no carro que me conduziu até a casa, por entre curvas desajeitadas em plena ponte Vasco da Gama, enquanto eu lavava a minha cara e a minha alma com lágrimas.
Já te disse que descobri que habita em mim um oceano maior do que os que aprendemos na escola?
E tem nome, vê lá tu: dor.

Que o mundo inteiro saiba que existem mais oceanos do que aqueles que ensinam às crianças!
E ficas a saber que te amei muito mais do que alguma vez o serás em toda a tua existência.
Hoje não sei que parte de mulher sou eu: a que partilhou contigo um fogo de artifício inteiro em honra do santo amor ou a que descobriu a existência de um oceano novo.
Valha-me o tempo, nosso senhor!
E as orações dos desterrados de esperança também.

Amén.


ML

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