sábado, 13 de junho de 2015

Apetece-me falar disto: #a escola, os pais e as novas férias

Tenho para mim que portugal ou já ensandeceu ou está por um fio de ensandecer. E porquê? Bom, o porquê está aqui e vem na sequência da aprovação de uma recomendação, por parte do conselho de escolas, de que os alunos devem ter uma pausa a meio do primeiro período, recomendação essa que o Sr. Jorge Ascensão (presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais) criticou. E não só criticou como ainda aproveitou a onda para sugerir algo absurdo.
E então, o que é que o Sr. Jorge disse? Primeiro criticou as "pausas avulso" que as escolas praticam, segundo ele, e ainda teve a lata de dizer (sim, porque um pai para dizer uma coisa destas além de estupidez crónica tem que ter tomates) que "as aulas deveriam começar no início de setembro e terminar apenas no final de julho", sendo que os alunos só teriam direito a um mês de férias. 
Ora, antigamente, ainda no meu tempo de menina e moça, fazia-se uma paragem de 1 semana por altura dos finados. Bons tempos! Eram tempos de ir para casa dos avós (porque os pais tinham que trabalhar), de muita algazarra com sabor a liberdade por não estarmos sempre sob a alçada dos pais e podermos desfrutar dos mimos que estragam qualquer um, mas que sabe tão bem. Agora, 2 dias de pausa no primeiro período? O que é isso? Nada. Mas o drama parental já começou!
O que mais se ouve nos media, aquando do início das férias, é "ai jasuuuuus onde é que vou enfiar os putos para poder ir trabalhaaaaar?" como se fosse o mundo acabar ali. Acredito que para alguns pais que não têm os avós das crianças por perto seja, de facto, complicado pensar nas férias com a tranquilidade que elas merecem mas afinal, férias são férias porra! E não são só os adultos que ficam felizes com elas, as crianças também. Mas daí a sugerir que as crianças só devem ter um mês de férias?! Aí já estamos a bater em vários patamares, um deles é a desumanidade. 
O Sr. Jorge diz que tem receio que as escolas comecem a ter mais pausas do que aulas. Oh Sr, por acaso sabe fazer contas? Parece-me que não, mas eu dou uma ajudinha. As crianças, por norma, têm aulas num período das 9h às 17.30h durante 5 dias por semana, o que equivale a 42h 30 min,  sem contar com os raros feriados que se metem pelo meio, porque os feriados estão para o ser humano como os burros para o mundo: em vias de extinção. Ou seja, uma criança de 6 anos passa mais 2h 30min na escola, por semana, do que um adulto em horário laboral estipulado por lei. Contas feitas, e já contando com as pausas existentes no período escolar, uma criança passa 9 meses em aulas. Oh Sr. Jorge, 9 meses não chegam para cumprir os programas estabelecidos pelo ministério da educação?! Olhe que 9 meses dá para muita coisa! Até para gerar um filho, que é a coisinha mais complexa que existe à face da vida humana. Agora, se os programas não são cumpridos, há que reformular sim a educação, mas comecemos pelos professores e não pela parte mais fraca, os alunos. Um professor é muito mais do que um "despeja matéria", um professor é um guia, é um tutor, é como uma locomotiva de um comboio; se ele descarrila vai tudo atrás. Mas um professor não tem (nem deve!) a obrigação de representar um papel que não lhe cabe: o de ser pai. 
Portanto, dizer que as crianças devem ter mais aulas é o mesmo que estar a delegar a responsabilidade de 20 ou 30 cabeças a uma só. Não dá, é desumano, é estúpido. Um professor quando se licencia não é para servir de babysitter, é para instruir e delegar outra coisa, sem ser afetos e cuidados: saber. Os afetos é responsabilidade dos pais, ou pelo menos deveria ser. 
Outra coisa que o Sr. Jorge disse e, desculpe-me a ousadia, mas não pude deixar de me rir "bué", foi que os alunos "podem estar na escola sem atividade letiva, sem estar a estudar o programa curricular. Os miúdos precisam de respirar a escola sem ser dentro das paredes de sala de aula. Tem de haver um envolvimento com a biblioteca e com os espaços exteriores". Oh Sr., o Sr. decida-se! Atão primeiro diz que as criancinhas precisam de mais aulas para se cumprirem os programas curriculares, depois já diz que elas têm que "respirar" a escola (como se ela fosse alguma flor) e tem que haver um maior envolvimento com os espaços e o diabo a sete. Desculpe-me a franqueza, mas creio que o Sr. anda à procura de depósitos fáceis para os pais despejarem os filhos quando não lhes dá jeito ficarem com eles, e não de melhorar qualquer coisinha na educação escolar deles. Se é para isso, o Sr. tem que fazer outra proposta; o de não se ter mais filhos.
O Sr. tem razão quando diz que é preciso haver um maior envolvimento dos alunos, mas não é com a escola, é com a família. 
Basta pegar nos estudos (comprovados! não é de faz de conta) que por lá e por cá se fazem e, facilmente, poderá verificar que o sucesso escolar também está relacionado com a qualidade de afetos e cuidados despendidos pela família. Porque um aluno com mais horas de escola não é, com certeza, um aluno mais inteligente e feliz.
Ora, se um aluno passa mais tempo na escola do que com a família, alguma coisa está mal. O Sr. acaso gostaria de que o obrigassem a ter só 2 semanas (em vez de 1 mês) de férias e lhe alargassem o período de trabalho? Mesmo que o seu chefe justificasse tal decisão como "ter que respirar e se envolver com o seu espaço de trabalho"? Não faz sentido, certo? Acredito que há dias em que chega a hora de almoço e o Sr. só pensa em ir para casa por estar farto de ali estar, de aturar quem não lhe apetece e, sobretudo, farto de estar fechado no mesmo sítio horas a fio. Porque é que acha que com as crianças, em relação à escola, é diferente do que se passa com os adultos? 
Os filhos, na minha prespetiva de mãe, não foram feitos só para se dizer que os temos ou para satisfazer as convenções sociais do namorar-casar-procriar. Os filhos são um pedaço de nós, são uma extensão do melhor que temos e somos, ou pelo menos deveria ser assim. Os filhos são como flores que devemos cuidar bem para que um dia se tornem árvores bem enraizadas e frondosas. E isto, caro Sr. Jorge, não são palavras bonitas que uso para o convencer. É a realidade! Os seus filhos, os meus e os dos outros pais, serão os adultos de amanhã. Se ensinarmos os filhos a serem máquinas de produção de qualquer coisa, temo que no futuro teremos uma sociedade de humanos robotizados desprovidos de qualquer sentimento e que só servem para fazer dinheiro e alimentar o ego dos grandes. 
Não foi para isso que eu trouxe filhos ao mundo Sr. Jorge! Eu não quero ver os meus filhos tristes, frustrados, como se carregassem o peso de uma sociedade mecanizada onde o período de "trabalho" é muito maior do que o período de viver e ser feliz. Eu gosto de ter férias, adoro. E acredito que o Sr. também goste. E sei que o meu filho e os seus também, mesmo que eles ainda tenham uma ideia muito rudimentar do que são férias e para que servem. Mas... não é esperado que eles saibam tudo de uma vez, não é esperado que eles entendam coisas fora do tempo. Não se pode esperar que uma criança de 6, 7 ou 8 anos valorize as férias como um adulto de 20, 30 ou 40 anos. Mas ainda assim, mesmo que eles não entendem o valor delas, merecem-nas. Tal como o Sr. que trabalha a maior parte do ano e quando vai de férias também sente que as merece. 
Os filhos não são máquinas de acumular e produzir conhecimento, não é isso que irá torna-los mais competentes e felizes na adultícia.
Agora, aquilo que os pais transmitem e dão aos seus filhos, isso sim irá contribuir tanto para o desenvolvimento das suas competências como para a sua felicidade.  
A escola é um lugar para aprender, sim, mas muito mais do que ler, escrever e fazer contas. A escola deveria ser também um lugar para expressar como ser feliz, como se ama. E isso é uma lição que deverá ser aprendida em casa, com os pais. 
Ora, se as crianças já passam cada vez mais tempo distanciadas da família e com menos tempo de brincadeira, com menos 1 mês de férias chegamos ao culminar de lhes roubar o direito de serem crianças para lhes incutir o serem adultos em ponto pequeno. Porque, caso o Sr. não saiba, também se aprende e se cresce a brincar. 
Cada vez se fala mais em hiperatividade, cada vez mais se medica crianças de ânimo leve devido a distúrbios mentais, cada vez mais vemos crianças frustradas e deprimidas. Isto não lhe diz nada? Talvez seja só até ao dia em que um dos seus filhos entrar pela porta de casa e o mandar à merda e dizer que está farto de si, dos outros e do mundo, e depois você o acusar com a frase célebre de "não foi assim que te eduquei", quando na verdade até foi, quando na verdade foi você que o motivou a encher o saco com carência, com incompreensão, com estudo a mais e amor a menos. Depois leva-o a um psicólogo ou a um psiquiatra à procura da solução para o problema, e nenhum deles tem a coragem de lhe dizer "a culpa é sua" porque o capitalismo está pela hora da morte, e tal como o Sr. se quer aproveitar da escola para se livrar da responsabilidade parental desculpando-se com "tenho que ganhar a vida", também os profissionais de saúde têm que ganhar a deles, nem que seja à custa da desgraça dos outros. 
Portanto, desejo, sinceramente que as entidades superiores a si não lhe dêem ouvidos. Para bem dos seus filhos, dos meus e de tantos outros pais que se recusam a ter crianças mal amadas e escravas da escola. 
Para si, só tenho mais uma coisa a dizer: tenha juízo.


ML



quarta-feira, 10 de junho de 2015

Apetece-me falar disto: #obesidade

Este post vem na sequência de uma "polémica", mais ou menos acesa, entre mim e umas pessoas que estão, neste momento, em processo de perda de peso. A polémica veio acerca do que uma certa personagem disse aqui e à qual eu reagi.
A minha indignação começou logo pelo facto da concordância com o "artigo" por parte dessas mesmas pessoas, mas no fundo essa concordância não parece, de todo, surreal, mas já lá vamos.
Começando pelo "artigo"; só o título do discurso assusta, e essa foi a minha "parte 2" de indignação. Se não vejamos, primeiro a personagem defende que uma pessoa gorda não deve ser gozada por isso mas depois a seguir intercala o discurso a dizer que o obeso tem que ter vergonha pra mudar (?). Oi? Já não basta aquela que é incutida pelos olhares da sociedade, cheia de estereótipos macabros acerca dos padrões de beleza, como se o gordo tivesse uma espécie de lepra? Já não chega o sofrimento de quem é obeso e passa pelo processo (às vezes desesperante) de emagrecimento, muitas vezes sem apoio algum? Já não chega a vergonha de si mesmo que o obeso vai acumulando, juntamente com os quilos a mais? E a vergonha, é muito mais do que ouvir "ólhame práquela gorda!". A vergonha de quilos a mais, quase sempre, vem agregada a outro tipo de vergonha: a de ser quem é.
Portanto, para mim, alguém que diz (e outros que defendem) que "é preciso passar vergonha para mudar" é uma variante de um xenófobo. Eu cheguei a ler uma opinião justificativa para o discurso do artigo como algo do género "ele diz que não se deve humilhar nem gozar uma pessoa gorda, mas que no fundo se deve fazer liberta-la dos mecanismos de defesa que usa e incentiva-la a mudar".
Clap clap clap, palminhas pra ela porque, o que poderá ser melhor do que um incentivo para alguém gordo qu'safarta, de quem não se conhece a história, do que estimular-lhe a vergonha? Só se for tortura-la à moda da inquisição porque, assim de repente, não me ocorre outro melhor incentivo.
Ah, mas a história de vida do gordo conta para o peso? Não, conta a história do peso, é diferente.
Mas, continuando, e seguindo a sequência da polémica, também li algo do género "o problema é que se extremaram posições: de um lado os fat haters, gente que sente nojo até de um pneusinho, e gente que vai para o pólo oposto, o do love your curves, quando muitas vezes não são curvas porra nenhuma, são mesmo 40 ou 50 kg a mais". Bom, curvas são sempre curvas até porque nunca vi um gordo liso! Eu pelo menos estou (é diferente do ser) gorda e só vejo curvas, não há nenhuma espécie de achatamento em mim. Agora se são curvas apreciáveis ou desapreciáveis, depende dos gostos de cada um.
Mas o grande problema neste comentário, e que reflete bem a realidade do obeso, não é a de "amar"40 ou 50 kg a mais, aqui o grande problema (senão o central) é não SE amar com 40 ou 50 kg a mais. Será que se o gordo, numa tentativa de deixar de se "odiar"e carregar a vergonha ao peito, perder esses 40 ou 50 kg a mais, vai passar a amar-se mais? Se calhar se ele se amasse talvez nem gordo fosse...
Vamos lá ver se nos entendemos, um gordo não é gordo porque quer! Há toda uma história de vida por trás, todo um sofrimento profundo que, na maior parte das vezes, não se vê e o acumular de quilos é só uma consequência disso. Raras excepções, ninguém engorda até à obesidade mórbida porque quer ou porque se acha sexy no meio de banhas e celulite. Há motivos, há razões fortes que o justificam. Agora, o gordo deve esconder-se atrás dessas justificações, atrás da sua história sofrida para continuar a afogar-se em comida? Não, obviamente. Mas a perda de peso é um processo doloroso e moroso. Tal como ninguém engorda do dia para a noite, também ninguém emagrece.
Mas não posso deixar de falar dos "fat haters". Esses coitados que não sabem que pela boca morre o peixe. Em tempos, no auge dos meus 12/13 anos, na escola havia sempre meia dúzia de anormais que me chamavam gorda e balofa e coisas do género. Até que um dia... (mais recentemente, diga-se) descobri que uma dessas personagens engordou de tal forma que hoje é também um obeso na luta contra o excesso de peso. Ou seja, morreu pela boca, porque agora também ele sabe o que é sofrer com o excesso de peso. Sentir na pele é outro nível.
Portanto, queridos/as fat haters que me possam estar a ler desse lado: pensai bem antes de abrir a boquinha, porque um dia, fatalmente, ela faz-te "game over" e depois ou "insert'as" coin ou então vais ser gozada como hoje o fazes.
Mas voltando ao "artigo", outra parte interessante foi a parte da propaganda da gordura nas redes sociais. Se esta besta usasse os neurónios, nem que fosse só um bocadinho, iria perceber que o objetivo dessa propaganda não é incentivar as pessoas à obesidade e aos problemas de saúde que dela advém. O objetivo é fazer com que as pessoas se aceitem, seja qual for a condição em que estejam, é incentiva-las a amarem-se tal como são porque a mudança é aí mesmo que começa: cultivar o amor próprio. Não são menos 40 ou 50 kg que vão fazer com que o obeso se ame mais, que se respeite, que se dignifique, que se ache alguém com valor e liberdade para viver. Sim, porque é isso que a vergonha faz; impede-nos de viver; não vou à praia porque tenho vergonha das minhas banhas e da minha celulite, não vou sair à noite com os meus amigos para não ferir as vistinhas de alguém, não vou comer uma fatia de bolo de anos porque as pessoas vão olhar pra mim como alguém asqueroso, não vou maquilhar-me porque só as gajas boas é que têm esse privilégio, não vou vestir-me de forma sexy porque gorda qué gorda tem que vestir sacos de batatinhas (vivásburcas!), não vou usar biquíni porque isso é uma afronta às gajas bouas comómilho. E depois, quando se perde o excesso de peso? Não vou à praia porque estou flácida e tenho estrias, não uso camisolas mais justas porque o pneu não desapareceu, não vou comer um bolo porque depois sonho com as formigas a comerem-me à noite. Vergonha gera vergonha e nunca se sai daí.
Em suma, gorda qué gorda tem que ir para o corredor da vergonha cumprir pena e só depois de emagrecer é que tem direito à liberdade.
É surreal que se defenda a vergonha pelo excesso de peso. E mais surreal ainda é ver gordas a defenderem esse prisma! Mas, tal como disse acima, não me surpreende que assim seja. Afinal, muitas delas parecem iô-iôs, ora engordam ora emagrecem e depois criam ruas de amargura e atiram-se para o meio delas. Afinal, não são só os gordos que arranjam (ou precisam) de justificativas para não mudarem e continuarem a acumular quilos e a sofrerem de sorriso no rosto até (alguns) saírem pela porta do suicídio.
Afinal também os gordos que estão no processo de emagrecimento se agarram à vergonha que trazem como justificativa para mudarem, mesmo que isso implique viver anos e anos a jogar ao iô-iô com palas nos olhos e mais nada coubesse no seu conceito de felicidade senão a magreza.

ML