quarta-feira, 10 de junho de 2015

Apetece-me falar disto: #obesidade

Este post vem na sequência de uma "polémica", mais ou menos acesa, entre mim e umas pessoas que estão, neste momento, em processo de perda de peso. A polémica veio acerca do que uma certa personagem disse aqui e à qual eu reagi.
A minha indignação começou logo pelo facto da concordância com o "artigo" por parte dessas mesmas pessoas, mas no fundo essa concordância não parece, de todo, surreal, mas já lá vamos.
Começando pelo "artigo"; só o título do discurso assusta, e essa foi a minha "parte 2" de indignação. Se não vejamos, primeiro a personagem defende que uma pessoa gorda não deve ser gozada por isso mas depois a seguir intercala o discurso a dizer que o obeso tem que ter vergonha pra mudar (?). Oi? Já não basta aquela que é incutida pelos olhares da sociedade, cheia de estereótipos macabros acerca dos padrões de beleza, como se o gordo tivesse uma espécie de lepra? Já não chega o sofrimento de quem é obeso e passa pelo processo (às vezes desesperante) de emagrecimento, muitas vezes sem apoio algum? Já não chega a vergonha de si mesmo que o obeso vai acumulando, juntamente com os quilos a mais? E a vergonha, é muito mais do que ouvir "ólhame práquela gorda!". A vergonha de quilos a mais, quase sempre, vem agregada a outro tipo de vergonha: a de ser quem é.
Portanto, para mim, alguém que diz (e outros que defendem) que "é preciso passar vergonha para mudar" é uma variante de um xenófobo. Eu cheguei a ler uma opinião justificativa para o discurso do artigo como algo do género "ele diz que não se deve humilhar nem gozar uma pessoa gorda, mas que no fundo se deve fazer liberta-la dos mecanismos de defesa que usa e incentiva-la a mudar".
Clap clap clap, palminhas pra ela porque, o que poderá ser melhor do que um incentivo para alguém gordo qu'safarta, de quem não se conhece a história, do que estimular-lhe a vergonha? Só se for tortura-la à moda da inquisição porque, assim de repente, não me ocorre outro melhor incentivo.
Ah, mas a história de vida do gordo conta para o peso? Não, conta a história do peso, é diferente.
Mas, continuando, e seguindo a sequência da polémica, também li algo do género "o problema é que se extremaram posições: de um lado os fat haters, gente que sente nojo até de um pneusinho, e gente que vai para o pólo oposto, o do love your curves, quando muitas vezes não são curvas porra nenhuma, são mesmo 40 ou 50 kg a mais". Bom, curvas são sempre curvas até porque nunca vi um gordo liso! Eu pelo menos estou (é diferente do ser) gorda e só vejo curvas, não há nenhuma espécie de achatamento em mim. Agora se são curvas apreciáveis ou desapreciáveis, depende dos gostos de cada um.
Mas o grande problema neste comentário, e que reflete bem a realidade do obeso, não é a de "amar"40 ou 50 kg a mais, aqui o grande problema (senão o central) é não SE amar com 40 ou 50 kg a mais. Será que se o gordo, numa tentativa de deixar de se "odiar"e carregar a vergonha ao peito, perder esses 40 ou 50 kg a mais, vai passar a amar-se mais? Se calhar se ele se amasse talvez nem gordo fosse...
Vamos lá ver se nos entendemos, um gordo não é gordo porque quer! Há toda uma história de vida por trás, todo um sofrimento profundo que, na maior parte das vezes, não se vê e o acumular de quilos é só uma consequência disso. Raras excepções, ninguém engorda até à obesidade mórbida porque quer ou porque se acha sexy no meio de banhas e celulite. Há motivos, há razões fortes que o justificam. Agora, o gordo deve esconder-se atrás dessas justificações, atrás da sua história sofrida para continuar a afogar-se em comida? Não, obviamente. Mas a perda de peso é um processo doloroso e moroso. Tal como ninguém engorda do dia para a noite, também ninguém emagrece.
Mas não posso deixar de falar dos "fat haters". Esses coitados que não sabem que pela boca morre o peixe. Em tempos, no auge dos meus 12/13 anos, na escola havia sempre meia dúzia de anormais que me chamavam gorda e balofa e coisas do género. Até que um dia... (mais recentemente, diga-se) descobri que uma dessas personagens engordou de tal forma que hoje é também um obeso na luta contra o excesso de peso. Ou seja, morreu pela boca, porque agora também ele sabe o que é sofrer com o excesso de peso. Sentir na pele é outro nível.
Portanto, queridos/as fat haters que me possam estar a ler desse lado: pensai bem antes de abrir a boquinha, porque um dia, fatalmente, ela faz-te "game over" e depois ou "insert'as" coin ou então vais ser gozada como hoje o fazes.
Mas voltando ao "artigo", outra parte interessante foi a parte da propaganda da gordura nas redes sociais. Se esta besta usasse os neurónios, nem que fosse só um bocadinho, iria perceber que o objetivo dessa propaganda não é incentivar as pessoas à obesidade e aos problemas de saúde que dela advém. O objetivo é fazer com que as pessoas se aceitem, seja qual for a condição em que estejam, é incentiva-las a amarem-se tal como são porque a mudança é aí mesmo que começa: cultivar o amor próprio. Não são menos 40 ou 50 kg que vão fazer com que o obeso se ame mais, que se respeite, que se dignifique, que se ache alguém com valor e liberdade para viver. Sim, porque é isso que a vergonha faz; impede-nos de viver; não vou à praia porque tenho vergonha das minhas banhas e da minha celulite, não vou sair à noite com os meus amigos para não ferir as vistinhas de alguém, não vou comer uma fatia de bolo de anos porque as pessoas vão olhar pra mim como alguém asqueroso, não vou maquilhar-me porque só as gajas boas é que têm esse privilégio, não vou vestir-me de forma sexy porque gorda qué gorda tem que vestir sacos de batatinhas (vivásburcas!), não vou usar biquíni porque isso é uma afronta às gajas bouas comómilho. E depois, quando se perde o excesso de peso? Não vou à praia porque estou flácida e tenho estrias, não uso camisolas mais justas porque o pneu não desapareceu, não vou comer um bolo porque depois sonho com as formigas a comerem-me à noite. Vergonha gera vergonha e nunca se sai daí.
Em suma, gorda qué gorda tem que ir para o corredor da vergonha cumprir pena e só depois de emagrecer é que tem direito à liberdade.
É surreal que se defenda a vergonha pelo excesso de peso. E mais surreal ainda é ver gordas a defenderem esse prisma! Mas, tal como disse acima, não me surpreende que assim seja. Afinal, muitas delas parecem iô-iôs, ora engordam ora emagrecem e depois criam ruas de amargura e atiram-se para o meio delas. Afinal, não são só os gordos que arranjam (ou precisam) de justificativas para não mudarem e continuarem a acumular quilos e a sofrerem de sorriso no rosto até (alguns) saírem pela porta do suicídio.
Afinal também os gordos que estão no processo de emagrecimento se agarram à vergonha que trazem como justificativa para mudarem, mesmo que isso implique viver anos e anos a jogar ao iô-iô com palas nos olhos e mais nada coubesse no seu conceito de felicidade senão a magreza.

ML





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