quinta-feira, 17 de julho de 2014

Deitados na tua cama, eu num canto enrolada no lençol com um seio indefeso de fora e tu no outro com as mãos atrás da cabeça e o peito desnudado, ambos virados para o céu separado por um teto e um candeeiro, permanecemos no mais constrangedor dos silêncios.
De vez em quando eu olhava-te pelo canto do olho e tu tinhas os olhos fechados, mas por algumas vezes apanhaste-me a apreciar cada traço teu. Houve até uma altura em que tocaste com os teus pés nos meus "para aquecer", disseste-me tu, mas o meu lado provocador levou-me a desviá-los só pelo prazer da tortura adocicada.
Depois fui eu que fechei os olhos, com a mente vazia de cenários mas tão cheia de expectativas, e quando os abri apanhei-te a mirares-me delicadamente, como só tu sabes fazer. E rimo-nos, envergonhados, com vontade de tantas coisas mais.
Ambos sentimos naquele momento a tesão que circulava em cada célula dos nossos corpos, percorrendo cada fibra de tecido dos lençóis e das almofadas, em cada mola do colchão, em cada pedaço de madeira da cama.
A tesão não tem cor no espectro humano, mas se tiver noutro qualquer, acho que deve ser branca incandescente, como só um sentimento puro deve ter, ou então dourada como só a alma deve ser. E tenho a impressão que se a conseguíssemos ver, teríamos ficado cegos naquele quarto.
Voltei a fechar os olhos, para sentir mais e mais; a minha frequência cardíaca aumentar, a minha mente a percorrer-te inteiro numa questão de milissegundos acabando por me desfazer em ti como algodão doce.

O amor deve ser como comer algodão doce: desfaz-se na boca, nunca chega ao estômago e não sacia a mente.

Depois de risos e lutas interiores, fechaste os olhos, eu fechei os meus com força e esperei.

De repente debruçaste sobre mim e sussurras-me ao ouvido "Que estupidez... estou aqui a controlar o que é tão óbvio, o que é tão natural e tão nosso. Que se foda a mente." e beijas-me ofegante como nunca beijaste, a tua mão outrora tímida afaga-me o seio indefeso e ganhas a coragem para leva-la mais longe até ao lugar onde o prazer é pecado para quem nunca amou.
Eu cedo à tua investida e com o meu braço puxo-te mais para mim, na tentativa de nos fundirmos e sermos novamente inteiros, como há muito não o éramos.
Tu despes-te de todo o pudor e cobres-me com o teu corpo inteiro, como se fosse inverno polar e possuis-me como se eu te tivesse vendido a minha alma e fosse no meio das pernas o único sitio viável para a resgatar.
A única coisa que consigo fazer é cantar a música universal dos gemidos, enquanto me consomes a alma que é tão tua desde há 1 ano e 7 meses.
Voltas-me a sussurrar ao ouvido e dizes-me "és tão gostosa" como se fossem as únicas palavras do teu dicionário, e por querer estar à tua altura retribuo "sou tua".
Não sei quanto tempo durou, mas pareceram anos. Eu em ti e tu em mim, como só o amor e a tesão mesclados devem ser, culminando com a explosão de cores, qual fogo de artifício em tempo de procissão.
Deixas-te cair e eu amparo-te com mestria, como sempre soube fazer. Ouço a tua respiração a voltar ao normal e quase que consigo contar as batidas do teu coração inundado de paixão.
Levantas a cabeça, olhas-me nos olhos, e como os teus estão tão brilhantes! Dás-me um beijo leve na testa "amo-te" e voltas para o teu canto da cama.

"Eu também te amo", e abro os olhos.
Olho para o lado e vejo-te a dormir aninhado e com a boca entreaberta no mesmo canto da cama de onde minutos (horas?) antes tinhas saído para reclamar o que sempre foi teu por direito.
Eu continuava deitada e virada para o céu onde já conseguia ver a escuridão sem teto e sem candeeiro.
Levantei-me, e pé ante pé abri a porta do quarto e fui.
Até me vestir e sair da tua casa foi um espaço de pouca coisa! Por entre "eu não entendo", "porque saiste da cama?", "estávamos numa boa", "eu sentia-me tão bem", saí sem olhar para trás.
Ficas a saber que eu não consigo controlar aquilo que de mais belo tenho: emoções, e que vivo delas como cada ser vivo vive do oxigénio. E ficas a saber que o controle obsessivo delas origina a longo prazo um vazio igual à morte.
Peguei no carro que me conduziu até a casa, por entre curvas desajeitadas em plena ponte Vasco da Gama, enquanto eu lavava a minha cara e a minha alma com lágrimas.
Já te disse que descobri que habita em mim um oceano maior do que os que aprendemos na escola?
E tem nome, vê lá tu: dor.

Que o mundo inteiro saiba que existem mais oceanos do que aqueles que ensinam às crianças!
E ficas a saber que te amei muito mais do que alguma vez o serás em toda a tua existência.
Hoje não sei que parte de mulher sou eu: a que partilhou contigo um fogo de artifício inteiro em honra do santo amor ou a que descobriu a existência de um oceano novo.
Valha-me o tempo, nosso senhor!
E as orações dos desterrados de esperança também.

Amén.


ML

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Hoje não

Eu queria explicar-te o que penso e o que sinto, pela milionésima vez, desde os últimos dois meses. Eu queria, mas não posso; seria repetir-me vezes a mais, mais do que aquelas que já me repeti. E tu nunca me ouves (será que alguma vez ouviste?).

Eu queria mostrar-te que estás errado, pela centésima vez. Eu queria, mas não posso; porque não sei moldar verdades irredutíveis e absolutas.

Eu gostava de te mostrar que estou a crescer e que apesar da mudança se ter dado, ela não se torna consumada do dia para a noite, é preciso tempo para esclarecer coisas que tu hoje não entendes, nem eu.
Eu gostava, mas não posso; ainda és uma criança adormecida sem colo.

Eu desejava pintar uma coleção inteira de telas irrepetidas, com os nossos momentos mais felizes para nunca mais os esquecermos. Eu desejava, mas não posso; faltam-me as cores.

Eu queria fazer com que acreditasses que o meu arrependimento foi e continua a ser verdade; mais: genuíno. Eu queria, mas não posso; ainda baralhas o que vem da boca e o que vem do coração.

Eu gostava que percebesses que o que hoje és não faz sentido, e que se não aceitares essa urgência em te tornares num menino crescido (próprio da tua idade) vais-te perder para nunca mais te encontrares. Eu gostava, mas não posso; ainda há demasiada dúvida em relação ao que te fui e à verdade que sempre te disse pela experiência que a vida me foi dando e nunca deste ouvidos.

Eu desejava que não fosses tão obsessivo por alguns valores a que só um menino adolescente se agarra com unhas e dentes, como galhos quebrados, por ter medo de se agarrar ao tronco onde estão as raízes que desconhece. Eu desejava, mas não posso; seria viver a vida por ti e a minha já me dá tanto que fazer!

Eu gostava que enxergasses a incoerência que habita em ti e que não a projectasses em mim, como sendo minha. Eu gostava, mas não posso; porque passado este tempo todo ainda não conseguiste perceber o que fui e no que me tenho vindo a tornar, e isso não serve para acalmar essa tua imensidão de insegurança.

Eu queria mostrar-te mais vida para além desta que não resultou em nós. Eu queria, mas não posso; porque a pouco e pouco foste-me desgastando e tornaste-nos numa corda em que cada um puxou para lados opostos: tu para o lado dos teus medos, dúvidas e inseguranças e eu para o lado da felicidade, do sentir, da liberdade, de sermos dois e uma só verdade. E a corda rebentou.

Eu queria dizer-te o inverso de tudo aquilo que vomitei nas nossas discussões, qual reação gástrica às más emoções. Eu queria, mas não posso; porque também eu sou humana e erro como o caraças.
A perfeição? Ando longe disso.

Eu gostava de te pedir, constantemente, desculpas pelas dores que te causei. Eu gostava, mas não posso; porque há uma vida para viver e nunca as repetições serviram mais do que alimentar meninos inseguros armados em vitimas do mundo.

Eu queria dizer-te que as coisas numa relação a dois nunca são lineares, que às vezes os planos precisam de ser abrandados e os sonhos mudados. Eu queria, mas não posso; porque simplesmente nunca falámos a mesma língua.

Eu gostava que não me tivesses tratado tão mal e me magoado tanto. Eu gostava, mas não posso; porque há coisas que só com muita consciência é que mudam. E a verdade é que tu não nasceste para viver; nasceste para sobreviver num ambiente climatizado de segurança, com estímulos constantes de fidelidade e entrega exagerada com uma temperatura amena de auto-estima alimentada pela obediência do outro.

Eu queria dar-te a conhecer a mulher que tenho gerado no ventre do mundo. Eu queria, mas não  posso; porque há coisas que os pequenos não estão preparados para entender. Coisas de grandes! E só se é grande na alma.

Eu queria tanto ter continuado a viver a nossa história na tela do computador, onde éramos felizes num raio de 350 km. Eu queria, mas não posso; porque os contos de fadas só foram criados para viverem aprisionados nos livros. Será que ainda não te fartaste de ler o mesmo?

Eu gostava que entendesses que o perdão nunca sai da boca nem do coração; sai de mais fundo. Eu gostava, mas não posso; porque o perdão é para quem às vezes é parvo, tomba e chora humildemente por amparo. E a isto, eu chamo de reconhecimento; o arrependimento é só uma consequência.

Eu queria dizer-te que ainda gosto de ti. Eu queria, mas não posso; ainda me dóis tanto.

Talvez um dia percebas tudo aquilo que eu fui para ti e que nunca quiseste ver com olhos de gente por estares preso num qualquer conto (maldito) de fadas; que entendas que as histórias mudam ao longo do tempo; que percebas que a vida não é linear: há curvas mais apertadas que outras e quando nos despistamos, podemos demorar a reconstruir-nos; que entendas que há dores mais duras que outras, e nunca relativizando a nossa dor, é sempre bom olhar para a dor alheia: talvez notemos que há feridas que dificilmente saram e ao compararmos com a nossa, não nos parecerá mais do que um mero arranhão. Afinal, o que é a dor de uma traição (erro estúpido consertável) comparativamente com a dor de uma violação (erro estúpido jamais consertável)...?

Talvez um dia te arrependas da tua sagaz estupidez, que deixes de ser um menino insuportavelmente quedado de valores, que me peças perdão e eu te ouça para poder sermos inteiros de novo.
Talvez um dia eu já não saiba o que é adormecer com o coração partido.

Talvez um dia, hoje não.




ML


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Quanto tempo o tempo tem?

O tempo... esse relógio sem ponteiros que nos conduz por ruas e vielas uma vida inteira, e que quando chegamos ao fim, afinal, nunca as conhecemos; essa voz silenciosa que nos dita o que fazer e que, sem percebermos, manipula aquilo que devemos ser e até o que querer.
O tempo... esse entusiasta desde os tempos mais remotos que conta tudo ao milissegundo: os dias, as semanas, os meses, os anos e até as batidas do coração até ao momento em que o nosso tempo, passado tanto tempo, cesse.
O tempo... esse controlador desmedido que nos rouba tudo porque guarda para ele cada tempo por nós vivido, num tempo a que jamais teremos acesso a não ser através das janelas da memória.
Mas, quanto tempo será que o tempo tem?

Aprendi a andar e a falar; aprendi letras e números; aprendi a fazer contas de somar, subtrair e de multiplicar; aprendi a olhar para um relógio e a contar o tempo.
Mas nunca aprendi sobre o propósito do tempo.

Quanto tempo temos até ao ultimo dia?
Quanto tempo demora a passar um desgosto de amor ou a dor da perda de alguém?
Quanto tempo é necessário para descobrir uma cura milagrosa para que o tempo não nos roube mais tempo?

Se ao menos eu soubesse o tempo que levarei a obter as respostas do tempo, talvez eu não desse pelo tempo passar pelo tempo que ainda tenho que esperar.

Se um dia me fosse dado tempo para perguntar ao tempo o que acontece quando o nosso tempo acaba e dá lugar a outro tempo, eu perguntaria o porquê de ser preciso tanto tempo para nascer e morrer. Perguntaria porque é que o tempo nos dá e ao mesmo tempo nos tira tudo; porque é que o tempo nos faz doer e nos incute mais tempo para esperar por outro tempo que há-de vir?

Afinal, o que é esta coisa do tempo?
"O tempo tudo cura", "Dá tempo ao tempo", "O tempo é o nosso melhor amigo"; expressões que ouvi durante este tempo todo e que estupidamente me ouço a dizer aos outros como uma espécie de conforto.
É como se o ser humano nascesse programado para aprender, sem conceitos ou grandes explicações, sobre a espera do tempo; é como se existisse um gene que é constantemente ativado quando alguma coisa corre mal ou mais devagar e isso nos conforte de alguma maneira. Mas nem sempre fomos assim!
De facto, nunca vi ser mais despreocupado em relação ao tempo do que as crianças. Para elas não existe o amanhã ou o ontem; existe o agora. Para elas o tempo passa mas elas não dão por ele passar, não o questionam, não o contam porque não o sabem contar até que alguém lhes ensine, porque o tempo não passa de uma palavra nova que ouvem da boca de alguém e nem fazem ideia do peso que essa mesma palavra tem. E ainda bem.
Na minha opinião, penso que o maior inimigo do tempo são elas mesmas, as crianças. Porque elas conseguem fazer com destreza e sem dificuldade uma coisa que, nós adultos, não conseguimos fazer desde que nos foi injetado o vírus do tempo: viver sem tempo.
Elas brincam; riem; falam; sonham; querem; desejam; são verdade, sem tempo! Não existem relógios com tempo dentro; isso são meros objetos para os quais elas olham e não acham graça. É como se naquele objeto inanimado estivesse um sinal, uma mensagem a dizer "Por favor, não mexer".
Mas depois elas crescem, tal como nós crescemos um dia, e passam a viver aprisionadas num tempo que já não tem volta porque todo o tempo que elas tiveram sem tempo, é-lhes roubado e guardado num tempo a que nunca mais têm acesso. Em vez disso, são-lhes dadas também janelas para espreitar, muito de quando em vez, um tempo que elas próprias terão dificuldade em reconhecer. Passam a viver como nós: amordaçados pelo tempo.

"Há sempre uma criança dentro de nós para ser resgatada", ouvi eu algumas vezes. Mas como é que isso se faz? Como é que podemos ensinar à nossa criança interior a viver comandada pelo tempo? Será que ela merece uma maldade desse tamanho? Será que a nossa infância merece ser arrombada pela chave do tempo?
Ou será que somos nós que temos que aprender com a nossa criança interior a viver sem tempo, dentro do tempo que nos resta? Ou será que somos nós que temos que aprender com ela a fintar o tempo, mesmo que não tenhamos muito tempo para isso?

O resgate da nossa criança interior é aquilo que todos nós precisamos fazer para nos salvar a nós próprios. Só ela nos pode mostrar como dosear a importância do tempo que ainda nos resta, de forma a que o tempo não nos controle até ao âmago e nos mantenha reféns, até à hora em que não seremos mais do que um relógio parado.

É urgente procurar essa criança perdida, é urgente resgatá-la, é urgente não perdê-la de vista! Ela ensinar-nos-á a olhar de frente para a vida sem termos pressa de chegar, ela irá relembrar-nos dos sorrisos que se perderam com o tempo e que trarão com eles o gosto adocicado da vida e é ela que nos guiará no regresso a casa.

Ps. E até para isso, é preciso tempo!




ML






sexta-feira, 4 de julho de 2014

Muda o teu mundo, e o mundo muda.

Há alturas na vida em que não podemos mais fugir daquilo que temos de fazer, mesmo que isso implique doer e chorar.
Há alturas na vida em que temos de deixar o que é do passado, e que teimamos em arrastar para o presente, o que ao passado pertence.
Há alturas na vida em que temos de pegar em todas as pedras que nos impedem de prosseguir caminho e coloca-las à margem.

E foi o que fiz ontem: colocar mais uma pedra na margem.

Pessoalmente, sempre fui uma miúda que sempre se agarrou muito ao passado, com uma tal sofreguidão de resolve-lo e torna-lo um céu estrelado, quando na verdade não passa de um céu em dias nublados que nem a lua se consegue vislumbrar.
Sabotar o passado nunca foi boa escolha! Porque isso implica também sabotar aquilo que quero ser, passando a agir em conformidade com um tempo que já não me faz mais sentido. E depois vêm as dores infundadas, o cansaço da mente, o corpo a gritar “pára com isso, estás-me a destruir” e ainda assim não lhe dar ouvidos, vêm os tropeços na felicidade e simplesmente ignora-la numa teimosia louca do “eu quero aquilo, não isto” mesmo que o “aquilo” já não faça mais sentido.

Quem, muitos de vós, já não sentiu ou passou por isto?

Tenho para mim que no estado atual das coisas, todas as pessoas estão nesta crise interior. Não podemos só falar na crise financeira porque essa é só uma das componentes desencadeadoras da mudança interna que se faz urgente, em cada um de nós. A falta de dinheiro, seja para quem tinha o suficiente para viver seja para quem já não tinha quase nenhum, é um motor benfeitor das mudanças que os nossos espíritos estavam a precisar.
E para muitos, isto pode não fazer sentido; eu compreendo. Ainda estão muito agarrados ao materialismo. Para esses, o tempo da mudança ainda não chegou. É preciso esbarrarem na parede mais um bocado, até ficarem totalmente cobertos de feridas ensanguentadas e perceberem que “o caminho não é por aqui”.

Mas, voltando a mim…

A minha vida, nos últimos meses, deu umas quantas voltas de 360 graus. E que coisa maravilhosa esta! Poderia dizer que foi algo rápido, que não doeu nada; estaria a mentir.
A minha mudança foi tal e qual como voltar a nascer, mas estando ainda viva; e nascer dói. Foi como entrar de novo numa barriga e sentir-me a ser expelida, sentir todos os meus ossos alinharem-se e a contraírem-se até chegar à luz do dia e sentir o ar inchar os meus pulmões de pura vida.
Depois de a vida me parir peguei em mim e embalei-me, beijei-me com todo o amor, verifiquei se tinha tudo nos seus devidos lugares, disse-me “bem-vinda à vida”; tal e qual como quando dei à luz o meu próprio filho.
Foi mágico.
Tem sido mágico!

De repente, é como se não reconhecesse mais o mundo como outrora o via. De repente, é como se olhasse para um novo céu e conseguisse contar estrelas. De repente, tornei-me naquilo que sempre quis ser.
O passado? Não me faz mais sentido. Mas isso não quer dizer que os laços não estejam lá, uns para ser cortados outros para serem melhorados.

E como é que isso se faz? Perguntam bem. A única resposta que tenho é: conhecer-mo-nos.

Falo agora particularmente para ti, que estás num marasmo de dores desnecessárias, de dúvidas por não saberes o que fazer da tua vida (profissional ou pessoal), que vives na teimosia de agarrar o passado numa tentativa de ver estrelas quando elas já não estão lá. Conhece-te! Decide onde queres estar e quem queres ser: passado em pedaços ou futuro inteiro. Precisas de tempo? Ok, tens todo o tempo do mundo. Mas apressa-te, se quiseres ver as estrelas que vejo daqui; se quiseres repetir a sensação de nascer para a vida; se quiseres ter tudo aquilo que mereces e tens direito.

Mas atenta ao que te vou dizer; isto é uma viagem sem volta. A partir do momento em que decides embarcar já não há regresso, porque se voltares vais-te perder e já não vais encontrar nada a não ser vazio; o mesmo vazio em que vives hoje, mas triplicado.
Esta é uma viagem à volta do teu mundo onde só levas na tua bagagem uma tela e meia dúzia de pincéis. As cores terás de as procurar e misturar. O que irás pintar só tu saberás e as paragens nos portos da vida dos outros serão breves porque não vais poder ficar mais do que o tempo necessário para pintar a tua tela. Porque um bom pintor não faz repetições!

Sozinho/a não consegues mudar o mundo inteiro, mas podes contribuir para a mudança. E, como toda a mudança, ela vem de dento para fora. Por isso, muda o teu mundo e, consequentemente, verás o mundo a mudar: sentirás a leveza que desejavas sentir há muito tempo; darás por ti a sorrir mais vezes ao invés de chorar e a debateres-te contigo e com os outros; as pessoas que achavas mais improváveis de se aproximarem de ti, aproximar-se-ão naturalmente; os cheiros, os sons e as cores tornar-se-ão mais suaves e dóceis aos teus sentidos; e as estrelas…ai, as estrelas… serás uma das muitas que contribuem para a beleza do universo inteiro! A intensidade do brilho só dependerá de ti.
No fim, verás que valeu a pena a mudança. Verás a quantidade de tempo que perdeste com coisas inúteis que nada mais te poderiam dar se não ensinamentos e que jamais fariam parte do teu futuro, por não ser o suposto.

Para construirmos um castelo, precisamos de pedras!

E um dia, antes de te tornares um anjo com asas, vais assistir à inauguração da exposição de todas as telas que pintaste durante a viagem que fizeste. Terás na assistência os rostos que escolheste pintar, as vidas que se quiseram cruzar contigo, as histórias que partilhaste; e não haverá nada mais maravilhoso do que sentir o peito cheio no último suspiro desta vida, e recomeçar na outra com a sensação de dever cumprido.



ML



quarta-feira, 2 de julho de 2014

Oração de uma mãe

Deus,
nunca te vi o rosto, nunca privei contigo nem tão pouco conheço os teus propósitos para cada um de nós aqui na Terra. Mas hoje tenho uma maior urgência de falar contigo; mais do que o habitual.

Desde os últimos acontecimentos que vejo no facebook e nos jornais online sobre a morte do filho da Judite de Sousa, fiquei com o meu coração pequenino e apertado. Sim, eu sei, é normal, especialmente para quem é mãe! Eu também o sou, e apesar de ter a sorte de ter o meu Gabriel por perto e isso ser mais que "sorte", ser uma bênção, eu preciso de te falar sobre ele.
O meu coração chora a morte de um filho que não conheço e compadece-se com uma mulher que tem um rosto que todos conhecemos por ser figura pública. Podia ser anónima, minha vizinha ou vizinha dos meus pais; a minha dor seria a mesma.
E por sentir esta dor tão urgente e arrebatadora, venho deposita-la nas tuas mãos, através de palavras, com a esperança fervorosa de que me ouças.

Deus,
tu sabes que tu e eu nem sempre tivemos uma boa relação. Também sabes que houve muitas alturas na minha adolescência sofrida em que me revoltei e te injuriei. E mesmo sabendo que és um pai com um amor enorme e que me perdoas, faço questão de te pedir desculpa.
Desculpa.
Eu estava a sofrer e não entendia esse sofrimento, não sabia o propósito dele e, por isso, era mais fácil culpabilizar alguém. E muitas vezes tu foste esse "alguém".
Hoje, começo a entender o propósito de todo aquele sofrimento, de toda aquela solidão. Obrigada por me teres dado aquela provação porque sei que foi graças a ela que hoje sou o que sou; foi graças a ela que cresci; foi graças a ela que consegui mudar as duas pessoas que me deram a vida e que eu jamais pensei toca-las com aquilo que tenho de melhor: as palavras; e é graças a ela que todos os dias luto para ser uma boa mãe.

Mas não te venho pedir por mim, Deus. Hoje venho-te pedir pelo amor da minha vida: o meu filho.

Eu sei que só tu sabes o propósito dele na minha vida e que grande parte da tarefa é minha. Mas...
Por favor não mo tires de uma forma brusca! Peço-te de joelhos e vergada pela dor alheia: não mo tires.

Deixa-me continuar a vê-lo crescer com aquela inocência que, um dia, se perderá quando a realidade dura da vida lhe bater à porta.
Deixa-me continuar a ouvir as suas frases adultas de quem me imita, como por exemplo "calma mãe, tás stracada!" e eu não perceber à primeira tendo que fazer um esforço para imaginar o que será que ele me queria dizer, e depois perguntar-lhe "Tou stressada?" e ele olhar-me de lado (como eu quando estou com a mosca) e dizer prontamente "Sim!" e eu não me conseguir conter e deitar-me ao lado dele cansada de tanto rir.
Deixa-me continuar a poder cheirar o cheiro de bebé tão característico dele e que ainda não se perdeu, mas que um dia se irá dissipar.
Deixa-me assistir à presença dele, sossegado, enquanto me maquilho e coloco bâton nos lábios, no fim pedir-lhe um beijinho e ele me dizer com uma cara de 'blhec´: "não mãe, tens baba."
Deixa-me continuar a fazer birra com ele quando ele se porta mal, por termos feitios tão iguais e parecermos às vezes duas crianças da mesma idade a ver quem é que tem mais razão.
Deixa-me poder aprecia-lo mais vezes na praia a brincar, muito concentrado, na areia molhada com o pôr do sol como fundo.
Deixa-me perguntar-lhe mais vezes, ao fim do dia, se correu bem o dia na creche e ele acenar com a cabeça que sim, querer saber mais do seu dia e ele simplesmente me dizer "agora não mãe, estou cansado" e vê-lo fugir para o quarto para as suas brincadeiras.
Deixa-me poder dar-lhe ainda mais abraços e beijinhos, mais do que já dou, e ele limpar a cara como se eu lhe tivesse babado a bochecha.
Deixa-me assistir ao seu primeiro dia de escola quando entrar para a primária e deliciar-me com todas as novidades que irá contar, com os trabalhos da escola sobre matérias que certamente já não me irei lembrar, mas que farei um esforço para reaprender e poder ajuda-lo.
Deixa-me presenciar a sua adolescência, que é sempre complicada para todos os miúdos; porque crescer dói.
Deixa-me contar-lhe de onde vêm os bebés e os cuidados que deverá ter quando se sentir preparado para amar uma rapariga no corpo e na alma.
Deixa-me consolá-lo no seu primeiro desgosto de amor e poder dizer-lhe que nunca devemos prender os outros, se realmente os amamos, e que devemos deixar voar; se voltar é porque tinha de ser mas que se não voltar não faz mal, outros pássaros virão para voar com ele.
Deixa-me assistir à sua entrada na faculdade e à sua formatura, e chorar baba e ranho de tanto orgulho e ele me dizer "mãe, por favor, controla-te!".
Deixa-me poder abraça-lo quando ele se sentir triste, consola-lo no silêncio, sem perguntas ou porquês até que ele me queira contar, ou mesmo que não o queira.
Deixa-me conhecer a mulher que irá partilhar a vida com ele, sofrer o choque temporário do ciúme por saber que ele irá voar e criar a sua própria família, mas que depois passa.
Deixa-me conhecer os filhos que ele irá ter, que passarão a ser pedaços meus e dele.
Deixa-me segurar os netos e poder voltar a sentir o mesmo cheiro que outrora senti do pai deles, olhar nos olhos do meu filho e chorar comovida e orgulhosa pelo caminho que ele irá percorrer até ali.
Deixa-me ganhar os cabelos brancos que irão trazer a calma e a alegria de envelhecer, vendo os sonhos dele a tornarem-se pedaços de céu que descerão à Terra.
Deixa-me poder dizer-lhe biliões de vezes que o amo.
Deixa-me despedir-me dele quando for hora de partir, de sentir a mão dele apertar a minha, e voltarmos a ser um só como quando ele estava no meu ventre.
Deixa-me poder dizer-lhe adeus com um sorriso nos lábios e sussurrar "és o meu orgulho", e com toda a confiança dele, dizer-me "Vai, voa mãe. Eu vou depois."

Deixa-me fazer tudo isto e muito mais Deus, deixa-me ensinar-lhe, com amor, todas as coisas que não me ensinaram mas que aprendi com esforço.

Que o anjo da guarda dele não tire uma folga, nem por um segundo! Que a tua mão esteja sempre estendida para ele, como sempre esteve para mim!

Eu sei que andas com falta de anjos mas lembra-te, eu preciso do meu por perto porque ainda não tenho asas.
Não fossem as asas dele e eu não seria nada: apenas o céu, sem pedaços de nuvem.

Amén!




ML