quinta-feira, 10 de julho de 2014

Quanto tempo o tempo tem?

O tempo... esse relógio sem ponteiros que nos conduz por ruas e vielas uma vida inteira, e que quando chegamos ao fim, afinal, nunca as conhecemos; essa voz silenciosa que nos dita o que fazer e que, sem percebermos, manipula aquilo que devemos ser e até o que querer.
O tempo... esse entusiasta desde os tempos mais remotos que conta tudo ao milissegundo: os dias, as semanas, os meses, os anos e até as batidas do coração até ao momento em que o nosso tempo, passado tanto tempo, cesse.
O tempo... esse controlador desmedido que nos rouba tudo porque guarda para ele cada tempo por nós vivido, num tempo a que jamais teremos acesso a não ser através das janelas da memória.
Mas, quanto tempo será que o tempo tem?

Aprendi a andar e a falar; aprendi letras e números; aprendi a fazer contas de somar, subtrair e de multiplicar; aprendi a olhar para um relógio e a contar o tempo.
Mas nunca aprendi sobre o propósito do tempo.

Quanto tempo temos até ao ultimo dia?
Quanto tempo demora a passar um desgosto de amor ou a dor da perda de alguém?
Quanto tempo é necessário para descobrir uma cura milagrosa para que o tempo não nos roube mais tempo?

Se ao menos eu soubesse o tempo que levarei a obter as respostas do tempo, talvez eu não desse pelo tempo passar pelo tempo que ainda tenho que esperar.

Se um dia me fosse dado tempo para perguntar ao tempo o que acontece quando o nosso tempo acaba e dá lugar a outro tempo, eu perguntaria o porquê de ser preciso tanto tempo para nascer e morrer. Perguntaria porque é que o tempo nos dá e ao mesmo tempo nos tira tudo; porque é que o tempo nos faz doer e nos incute mais tempo para esperar por outro tempo que há-de vir?

Afinal, o que é esta coisa do tempo?
"O tempo tudo cura", "Dá tempo ao tempo", "O tempo é o nosso melhor amigo"; expressões que ouvi durante este tempo todo e que estupidamente me ouço a dizer aos outros como uma espécie de conforto.
É como se o ser humano nascesse programado para aprender, sem conceitos ou grandes explicações, sobre a espera do tempo; é como se existisse um gene que é constantemente ativado quando alguma coisa corre mal ou mais devagar e isso nos conforte de alguma maneira. Mas nem sempre fomos assim!
De facto, nunca vi ser mais despreocupado em relação ao tempo do que as crianças. Para elas não existe o amanhã ou o ontem; existe o agora. Para elas o tempo passa mas elas não dão por ele passar, não o questionam, não o contam porque não o sabem contar até que alguém lhes ensine, porque o tempo não passa de uma palavra nova que ouvem da boca de alguém e nem fazem ideia do peso que essa mesma palavra tem. E ainda bem.
Na minha opinião, penso que o maior inimigo do tempo são elas mesmas, as crianças. Porque elas conseguem fazer com destreza e sem dificuldade uma coisa que, nós adultos, não conseguimos fazer desde que nos foi injetado o vírus do tempo: viver sem tempo.
Elas brincam; riem; falam; sonham; querem; desejam; são verdade, sem tempo! Não existem relógios com tempo dentro; isso são meros objetos para os quais elas olham e não acham graça. É como se naquele objeto inanimado estivesse um sinal, uma mensagem a dizer "Por favor, não mexer".
Mas depois elas crescem, tal como nós crescemos um dia, e passam a viver aprisionadas num tempo que já não tem volta porque todo o tempo que elas tiveram sem tempo, é-lhes roubado e guardado num tempo a que nunca mais têm acesso. Em vez disso, são-lhes dadas também janelas para espreitar, muito de quando em vez, um tempo que elas próprias terão dificuldade em reconhecer. Passam a viver como nós: amordaçados pelo tempo.

"Há sempre uma criança dentro de nós para ser resgatada", ouvi eu algumas vezes. Mas como é que isso se faz? Como é que podemos ensinar à nossa criança interior a viver comandada pelo tempo? Será que ela merece uma maldade desse tamanho? Será que a nossa infância merece ser arrombada pela chave do tempo?
Ou será que somos nós que temos que aprender com a nossa criança interior a viver sem tempo, dentro do tempo que nos resta? Ou será que somos nós que temos que aprender com ela a fintar o tempo, mesmo que não tenhamos muito tempo para isso?

O resgate da nossa criança interior é aquilo que todos nós precisamos fazer para nos salvar a nós próprios. Só ela nos pode mostrar como dosear a importância do tempo que ainda nos resta, de forma a que o tempo não nos controle até ao âmago e nos mantenha reféns, até à hora em que não seremos mais do que um relógio parado.

É urgente procurar essa criança perdida, é urgente resgatá-la, é urgente não perdê-la de vista! Ela ensinar-nos-á a olhar de frente para a vida sem termos pressa de chegar, ela irá relembrar-nos dos sorrisos que se perderam com o tempo e que trarão com eles o gosto adocicado da vida e é ela que nos guiará no regresso a casa.

Ps. E até para isso, é preciso tempo!




ML






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