quarta-feira, 2 de julho de 2014

Oração de uma mãe

Deus,
nunca te vi o rosto, nunca privei contigo nem tão pouco conheço os teus propósitos para cada um de nós aqui na Terra. Mas hoje tenho uma maior urgência de falar contigo; mais do que o habitual.

Desde os últimos acontecimentos que vejo no facebook e nos jornais online sobre a morte do filho da Judite de Sousa, fiquei com o meu coração pequenino e apertado. Sim, eu sei, é normal, especialmente para quem é mãe! Eu também o sou, e apesar de ter a sorte de ter o meu Gabriel por perto e isso ser mais que "sorte", ser uma bênção, eu preciso de te falar sobre ele.
O meu coração chora a morte de um filho que não conheço e compadece-se com uma mulher que tem um rosto que todos conhecemos por ser figura pública. Podia ser anónima, minha vizinha ou vizinha dos meus pais; a minha dor seria a mesma.
E por sentir esta dor tão urgente e arrebatadora, venho deposita-la nas tuas mãos, através de palavras, com a esperança fervorosa de que me ouças.

Deus,
tu sabes que tu e eu nem sempre tivemos uma boa relação. Também sabes que houve muitas alturas na minha adolescência sofrida em que me revoltei e te injuriei. E mesmo sabendo que és um pai com um amor enorme e que me perdoas, faço questão de te pedir desculpa.
Desculpa.
Eu estava a sofrer e não entendia esse sofrimento, não sabia o propósito dele e, por isso, era mais fácil culpabilizar alguém. E muitas vezes tu foste esse "alguém".
Hoje, começo a entender o propósito de todo aquele sofrimento, de toda aquela solidão. Obrigada por me teres dado aquela provação porque sei que foi graças a ela que hoje sou o que sou; foi graças a ela que cresci; foi graças a ela que consegui mudar as duas pessoas que me deram a vida e que eu jamais pensei toca-las com aquilo que tenho de melhor: as palavras; e é graças a ela que todos os dias luto para ser uma boa mãe.

Mas não te venho pedir por mim, Deus. Hoje venho-te pedir pelo amor da minha vida: o meu filho.

Eu sei que só tu sabes o propósito dele na minha vida e que grande parte da tarefa é minha. Mas...
Por favor não mo tires de uma forma brusca! Peço-te de joelhos e vergada pela dor alheia: não mo tires.

Deixa-me continuar a vê-lo crescer com aquela inocência que, um dia, se perderá quando a realidade dura da vida lhe bater à porta.
Deixa-me continuar a ouvir as suas frases adultas de quem me imita, como por exemplo "calma mãe, tás stracada!" e eu não perceber à primeira tendo que fazer um esforço para imaginar o que será que ele me queria dizer, e depois perguntar-lhe "Tou stressada?" e ele olhar-me de lado (como eu quando estou com a mosca) e dizer prontamente "Sim!" e eu não me conseguir conter e deitar-me ao lado dele cansada de tanto rir.
Deixa-me continuar a poder cheirar o cheiro de bebé tão característico dele e que ainda não se perdeu, mas que um dia se irá dissipar.
Deixa-me assistir à presença dele, sossegado, enquanto me maquilho e coloco bâton nos lábios, no fim pedir-lhe um beijinho e ele me dizer com uma cara de 'blhec´: "não mãe, tens baba."
Deixa-me continuar a fazer birra com ele quando ele se porta mal, por termos feitios tão iguais e parecermos às vezes duas crianças da mesma idade a ver quem é que tem mais razão.
Deixa-me poder aprecia-lo mais vezes na praia a brincar, muito concentrado, na areia molhada com o pôr do sol como fundo.
Deixa-me perguntar-lhe mais vezes, ao fim do dia, se correu bem o dia na creche e ele acenar com a cabeça que sim, querer saber mais do seu dia e ele simplesmente me dizer "agora não mãe, estou cansado" e vê-lo fugir para o quarto para as suas brincadeiras.
Deixa-me poder dar-lhe ainda mais abraços e beijinhos, mais do que já dou, e ele limpar a cara como se eu lhe tivesse babado a bochecha.
Deixa-me assistir ao seu primeiro dia de escola quando entrar para a primária e deliciar-me com todas as novidades que irá contar, com os trabalhos da escola sobre matérias que certamente já não me irei lembrar, mas que farei um esforço para reaprender e poder ajuda-lo.
Deixa-me presenciar a sua adolescência, que é sempre complicada para todos os miúdos; porque crescer dói.
Deixa-me contar-lhe de onde vêm os bebés e os cuidados que deverá ter quando se sentir preparado para amar uma rapariga no corpo e na alma.
Deixa-me consolá-lo no seu primeiro desgosto de amor e poder dizer-lhe que nunca devemos prender os outros, se realmente os amamos, e que devemos deixar voar; se voltar é porque tinha de ser mas que se não voltar não faz mal, outros pássaros virão para voar com ele.
Deixa-me assistir à sua entrada na faculdade e à sua formatura, e chorar baba e ranho de tanto orgulho e ele me dizer "mãe, por favor, controla-te!".
Deixa-me poder abraça-lo quando ele se sentir triste, consola-lo no silêncio, sem perguntas ou porquês até que ele me queira contar, ou mesmo que não o queira.
Deixa-me conhecer a mulher que irá partilhar a vida com ele, sofrer o choque temporário do ciúme por saber que ele irá voar e criar a sua própria família, mas que depois passa.
Deixa-me conhecer os filhos que ele irá ter, que passarão a ser pedaços meus e dele.
Deixa-me segurar os netos e poder voltar a sentir o mesmo cheiro que outrora senti do pai deles, olhar nos olhos do meu filho e chorar comovida e orgulhosa pelo caminho que ele irá percorrer até ali.
Deixa-me ganhar os cabelos brancos que irão trazer a calma e a alegria de envelhecer, vendo os sonhos dele a tornarem-se pedaços de céu que descerão à Terra.
Deixa-me poder dizer-lhe biliões de vezes que o amo.
Deixa-me despedir-me dele quando for hora de partir, de sentir a mão dele apertar a minha, e voltarmos a ser um só como quando ele estava no meu ventre.
Deixa-me poder dizer-lhe adeus com um sorriso nos lábios e sussurrar "és o meu orgulho", e com toda a confiança dele, dizer-me "Vai, voa mãe. Eu vou depois."

Deixa-me fazer tudo isto e muito mais Deus, deixa-me ensinar-lhe, com amor, todas as coisas que não me ensinaram mas que aprendi com esforço.

Que o anjo da guarda dele não tire uma folga, nem por um segundo! Que a tua mão esteja sempre estendida para ele, como sempre esteve para mim!

Eu sei que andas com falta de anjos mas lembra-te, eu preciso do meu por perto porque ainda não tenho asas.
Não fossem as asas dele e eu não seria nada: apenas o céu, sem pedaços de nuvem.

Amén!




ML






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