Mas não é da televisão que venho falar, nem de jornalismo (que disso percebo pouco ou nada). Venho falar como mãe de um miúdo de 4 anos a outra mãe com um miúdo de 29.
Aqui as palavras são duas: Judite e André.
Não menosprezando a dor do pai, obviamente, e não querendo dizer que um pai sente menos que uma mãe. Mas a dor de uma mãe não é só na alma; é no corpo também.
A Judite não me conhece. Provavelmente nunca irá ler este texto, no meio de outros tantos e de mensagens de apoio que lhe vão deixando. Mas, desde que li a noticia da morte do seu filho, senti esta urgência de lhe contar o que vai no meu coração de mãe que ficou mais pequenino e se compadeceu com a sua dor.
Eu tenho a sorte de acreditar em Deus. Não, não sou religiosa fervorosa que vai à missa todos os domingos, que faz oferendas à igreja ou o que quer que seja. Na minha crença (não falo em religião porque não o é, nem nunca será), eu aprendi que a vida na Terra é uma mera passagem. Que não somos mais do que espíritos que já nasceram e morreram uma infinidade de vezes, com um propósito. Que a morte foi um termo criado pelos homens para dar nome e rosto a uma mudança de estado.
Morte. Uma palavra bem escolhida não acha? Toda ela está impregnada de dor, escuridão, desespero, ausência de esperança, gritos e lágrimas. Uma palavra que só de ler, arrepia.
Mas a morte, como eu a conheço através da minha crença, é SÓ uma mudança de estado para o espírito. Que as pessoas, na verdade, não morrem. Que simplesmente passam para outro plano onde os nossos olhos (os da maioria) não conseguem chegar. Que continuam a sentir, a pensar, a amar. Tudo, tal e qual como aqui, mas noutro plano.
Posso lhe dizer que acredito nisto com toda a convicção! Mas quando penso que o que lhe aconteceu ontem pode, a qualquer momento, acontecer-me a mim eu sustenho a respiração e perco o fôlego.
De que nos serve a crença em Deus e na mudança de estado do espírito, se isso não enxuga as nossas lágrimas nem ameniza a nossa dor?
Qual é a lógica de se inverter a natureza das coisas: primeiro os filhos depois os pais? Qual o propósito?
Eu gostava de lhe poder dar estas respostas, Judite. Mas não posso. Porque eu própria não sei qual o propósito, eu própria sou limitada porque também eu sou mãe e não me imagino sem o meu filho por perto.
Mas de uma coisa eu sei; a Judite continua e continuará a ser mãe do seu filho. Sempre.
Foi a Judite que o gerou durante 9 meses, com muitas incógnitas e dúvidas; foi a Judite que com toda a força concentrada lhe deu a maior preciosidade, a vida; foi a Judite que o ajudou a crescer, amparando-o com amor e respeito; esteve lá nos momentos que ele mais precisou, certamente; foi com ele que a sua vida se tornou plena porque uma mulher ao gerar uma vida alcança o seu nível máximo de plenitude.
"E agora? O que é que eu faço sem o meu filho?", é isto que lhe vai na alma, não é? Porque é nesta expressão que penso, desde ontem, tentando colocar-me no seu lugar. Poderia mentir-lhe e dizer que consigo. Mas não consigo Judite, porque tal como para si, o meu filho é tudo aquilo que respiro; é um pedaço do meu corpo e perdê-lo equivalia a ficar deficiente por me faltar o equivalente a uma perna ou um braço ou um olho. O meu filho é também um pedaço da minha alma, e infelizmente, Deus levou o seu.
Cruel? Sim, talvez. Porque não era suposto ser a Judite a enterrá-lo, mas sim o contrário. Afinal, é essa a lei da natureza. Mas como vê, até a Natureza pode-nos trocar as voltas, portanto, isto leva-me a crer que nada tem uma ordem fixa; tudo é transmutável. Até a dor!
E a sua dor, vai alcançar um nível máximo nos próximos dias, bem sabemos. Mas depois... quando a chuva parar de cair, alguns raios de sol vão surgir por trás de uma (de tantas) nuvem e a Judite vai saber nesse dia que o André não morreu. Porque ninguém consegue matar nem tão pouco roubar um amor que habita em nós. A dor, neste momento, faz parte do processo desta coisa parva que é a morte. Mas acredite, Judite, não chove sempre!
E apesar de eu acreditar em tudo isto que escrevo, com toda a minha alma e entendimento, sei que tudo isto é uma grande merda porque não vejo nenhum propósito na morte de um filho, assim de repente, como não quer a coisa. Como se nós, mães, no fim de gerar, parir e criar, valêssemos nada.
Nem que se juntassem 1 bilião de pessoas para a abraçar... não iria cobrir o buraco que acabou de ser feito no seu peito, qual buraco negro criado no universo, eu sei.
Mas, Judite, no universo também nascem supernovas.
"A dor precisa de ser sentida", diz o livro "A culpa é das estrelas", por isso, agora é o seu momento. Sinta-a e não deixe nada por sentir, nem um fio, nem uma ponta solta! Apenas sinta.
"E depois?", pergunta. Depois, é hora de regressar a casa e reaprender a fazer uma coisa que nós seres humanos temos imenso jeito para fazer: viver.
O André? Estará sempre onde sempre esteve; em si. E quando o quiser encontrar para lhe dizer que o ama é no seu coração que ele estará, à sua espera para a receber, como a Judite o fez quando ele nasceu.
O André é o amor da sua vida, tal como todos os filhos são para todas as mães. E a morte, jamais, mudará isso.
Deixo-lhe as palavras que retive de um filme "Winter's Tale":
"E se tivesse havido um tempo em que não havia nenhuma estrela no céu?
E se as estrelas não fossem o que julgamos?
E se a luz que vem de longe não vier dos raios de sóis distantes, mas das nossas asas quando nos tornamos anjos?
O destino chama cada um de nós. E há um mundo por detrás do mundo, onde estamos todos ligados. Todos parte de um grande plano em movimento.
A magia rodeia-nos por completo. Só é preciso olhar. Olhem. Olhem com atenção.
Pois nem o tempo nem a distância são aquilo que parecem ser.
Quando o amor verdadeiro se perde… a vida pode esvair-se até perder todo o sentido. Ficamos vazios. Mas a possibilidade do destino permanece.
Aquilo para que estamos destinados pode ainda ser descoberto. E por vezes, muito de quando em quando, essa viagem em busca do nosso destino pode vencer até o tempo.
E se fossemos todos únicos e o universo nos amasse a todos por igual? Tanto, que recorreria a impossíveis, através dos séculos, por cada um de nós. E, de vez em quando, teríamos a sorte de o compreender.
Nenhuma vida é mais importante do que outra. E nada existe sem um sentido. Nada.
E se todos fossemos parte de um grande padrão que um dia entenderíamos? E quando um dia tivéssemos feito o que só nós somos capazes de fazer, nos elevássemos e nos reuníssemos com aqueles a quem mais amámos, abraçados para sempre?
E se afinal nos transformássemos em estrelas?"
Deus estava com falta de anjos, e o André aceitou o desafio.
ML