E começo a concluir que este ano é o ano da razia brutal de recolha urgente de anjos porque Deus deve estar a montar um festim lá em cima e então precisa dos melhores. Vai dos mais pequenos e inocentes aos mais crescidos e vividos, não há pré seleção.
Tu Nonô, minha (e de tantas outras pessoas) querida, foste uma das escolhidas. Acredito que seja um privilégio para a pátria espiritual receber anjos mas... o mundo também precisa deles para o fazer rodar.
Acho que Deus se anda a esquecer disso! E com a tua partida tive uma necessidade brutal de ripostar e pedir-lhe o livro de reclamações, tive a uma necessidade enorme de gritar e pedir-lhe "pára pá, já chega!". Mas temo que ele não me ouça, Nonô.
Sabes o que me dói? É que os sorrisos e a força interior humana deviam ser os remédios suficientes para curar uma coisa ridícula que se lembrou de surgir e procriar no teu corpo, essa coisa estupidificada que até precisa de nome para meter medo, essa coisa que quando sente que o medo não é o bastante ainda tem que matar só para ter o gostinho de dizer "eu ganhei". Mas sabes que mais Nonô? Tu ganhaste. Não porque o conseguiste exterminar (bem sei que somos ainda muito limitados para que isso aconteça sempre com sucesso) mas sim porque tu usaste e abusaste dos remédios principais para o enfrentar. E nisso, minha linda, foste grande!
Com a tua força e o teu sorriso pintaste o mundo de cor-de-rosa. Não existe foto nenhuma que eu não tivesse visto espalhada pelas redes sociais onde aparecesses triste ou desanimada e acredito que tiveste momentos desses. Mas em cada foto tua partilhada a homenagear-te, o melhor remédio contra qualquer doença está lá presente: o sorriso.
E foi com esse sorriso que marcaste cada um de nós que te acompanhou, que esteve de mão dada contigo nessa luta amarga, que te amou e acarinhou com o coração cheio de esperança, foi com esse sorriso que nos pintaste a todos de cor-de-rosa.
Mas por trás de tanto rosa, deixaste-nos o coração na mão. Ficou um vazio, uma ausência agonizante, um silêncio angustiante.
Desculpa a minha fraqueza, Nonô. Mas dói-me.
Não és a filha a quem eu dei a vida mas és a filha de alguém por quem eu daria a vida. E não pestanejava. Sabes porquê? Porque para mim é incompreensível um ser tão pequeno ter que suportar as dores que a maioria dos grandes não suporta; porque para mim é incompreensível um casal dar a vida a outra vida e ficar sem essa vida de um momento para o outro com as mãos cheias de nada; porque para mim é incompreensível que essa coisa estupidificada que precisa de um nome cobarde para ter respeito invada corpos de almas inocentes sem dó nem piedade. Para ele, Nonô, não existe restrições nem letrinhas pequeninas no contrato que ele estabelece sem qualquer autorização com os corpos que habita, mas sim o gosto de desafiar a vida e as emoções humanas. E se se sentir ameaçado ele acaba com o adversário da forma mais cobarde: tira-lhe a vida.
Onde anda Deus para permitir isto?! Que rico juíz me saiu...
Sabes Nonô, no ano em que perdeste as asas e desceste à Terra, também desceu contigo o meu anjo sem asas. Vocês têm a mesma idade e a mesma inocência, mas neste momento ao olhar para ele no meio das suas brincadeiras e do seu mundo tão simples e tranquilo, o meu coração aperta-se e fica tão pequenino. Porque eu sei que algures, numa outra casa, existe uma mãe que é a tua que olha para o mundo que era só teu onde tu já não estás. Nesse mundo ficaram as memórias doces e amargas desse tempo que não volta, ficaram dois corações cheios de saudade do teu, ficou a marca do teu sorriso como bálsamo da dor maior que chegou para ficar por tempo indeterminado.
Há dores que não deviam sequer existir, há dores que deviam preencher formulário para posterior avaliação antes de desafiar o ser humano, há dores que o mundo tem que simplesmente só servem para nos lembrar que a vida é um sopro.
A tua vida Nonô, foi mais que um sopro, foi uma lufada de ar fresco para mim, para a tua família inteira, para todos aqueles que te acompanharam nessa luta que tão bem enfrentaste. Foste enorme Nonô, aliás, és enorme! Porque de ti levo o exemplo de que a força não tem idade e guardarei junto ao peito o teu sorriso que tanta força nos deu e que resume tudo aquilo que foste e sempre serás para o mundo: a menina que adorava o cor-de-rosa que não venceu o cancro (maldito!) mas que iluminou tanto coração. E só por isso, temos tanto para te agradecer!
Estava na hora de voltar a casa, Nonô. As asas foram-te restituídas para voares, e tu foste.
Ps. Faz-me só um favor, dá um recado aí a Deus. Diz-lhe que o saldo aqui está a ficar negativo e que ou ele pára de vir buscar os poucos anjos que já temos ou então que mande o livro de reclamações. Farei questão de o preencher vezes sem conta até ter direito a ser ouvida.
ML
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