sábado, 7 de março de 2015

Sim, odeio-o, e depois?

Nos dias que correm, o ser humano ainda se vê amarrado pelas emoções que o podem denegrir pudicamente perante a sociedade, ainda vive amarrado na vergonha de assumir as emoções negativas que possa sentir;em suma, continua refém de sim mesmo. 
O ódio, esse sentimento supremo da escuridão, esse sentimento rejeitado na boca de muitos mas habitável em muitos corações, é uma das muitas emoções negativas que a sociedade rejeita mas alimenta, dia após dia. A maior parte dos comuns mortais já sentiu ou sente ódio de alguém ou de alguma coisa, quanto mais não seja de si próprio. E eu não sou excepção. 
Até há pouco tempo eu desconhecia esse sentimento tão poderoso e o que ele era capaz de fazer com a mente e com o coração. Mas como muitas coisas na vida, é preciso viver e experienciar para conhecermos não só o poder dessas mesmas coisas mas também nos testarmos enquanto seres humanos dotados de emoções à flor da pele. E digo "à flor da pele" porque até o ser mais controlado tem um saco que enche e explode.
Mas há uma coisa que muita gente não sabe e que eu só descobri depois de ter sentido, pela primeira vez, ódio no coração: é imprescindível aceitarmos que ele está lá. O ódio é como uma doença; tem a sua fase inicial em que surge no coração de mansinho, sem avisar, vai sendo alimentado inconscientemente até saturar todas as células da mente e da alma, passando pela fase da manifestação com as suas crises de negação e, quiçá, se não for tratada, ser capaz de conspurcar o que resta de nós até nos levar à loucura. Daqui até à morte é uma questão de nada.
Em psicologia, aprendi que a aceitação é um passo fundamental e central para qualquer mudança, seja ela de que teor for. Se é fácil? Não, não é. Às vezes vive-se anos e anos enclausurado numa panóplia de sentimentos destrutivos, vive-se constantemente num conflito interno por se querer aceitar uma determinada coisa e as emoções deturparem a mente de tal maneira que nos impede de avançar para o passo da aceitação. É uma luta intensa e constante, sem dúvida. E eu conheço tão bem essa luta interna...
É uma luta que desgasta, que me faz olhar no espelho e não me reconhecer; o que era outrora doce, meigo, dado, tornou-se amargo, frio, revoltado. É uma luta que me faz ter medo do "e se eu não vencer?". É uma luta ingrata entre o querer e não poder. É uma luta diária e, sobretudo, consciente. 
Mas para chegar até à parte da "luta" é preciso entrar no processo primário de aceitação daquilo que se sente. 
Como é que se trata uma doença sem se aceitar que ela vive em simbiose connosco? Impossível. Podem-se ingerir todos os medicamentos, os melhores do mercado, mas dificilmente a doença se cura porque toda a doença tem o seu gérmen na alma. Portanto, cura do corpo sem a cura do espírito é uma brincadeira de médicos, somente. 
É verdade, eu odeio-o. E depois? Vou dizer ao mundo que não? Para quê? Dos outros eu posso fugir mas de mim nunca. Eu poderia fingir perante os outros que tenho um coração puro, que ódio aqui não entra, que sou muito melhor que isso, que isso é para gente reles e pequenina de mente e blá blá blá whiskas saquetas. Mas aquilo que os outros possam pensar de mim pode atenuar ou melhorar aquilo que de mais podre eu sinto? Não. Porque não é o mundo que me carrega, sou eu mesma. E sou eu que apodreço dia após dia, não os outros.
O mundo só serve para nos dar aquilo que precisamos para crescer e aprender a sermos melhores do que éramos. O resto sai-nos do couro. 
A escolha foi minha. A escolha é sempre de cada um. Aceitar o que se sente com verdade e depois partir para o tratamento, ou então fingir que nada se sente e pintar a imagem de pureza interior numa tela que sempre será um mundo estático e que nunca será nosso porque o nosso, felizmente, roda. 
Eu sei que o odeio e sei que isso me magoa mais a mim do que a ele, porque o que ele me fez não pode ser alterado ou desfeito. Perdoa-lo depende de mim. 
O perdão é uma luta que só o corajoso trava com a sua sombra, e demore o tempo que demorar o vencedor será sempre ele. Mas mais do que isso, não quero odiar para um dia ser odiada. 
O nosso mundo roda, não é estático. Tudo o que damos a vida devolve-nos em dobro e desta máxima só foge quem é tolo.


ML
 

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