sábado, 25 de outubro de 2014

O valor da saudade

Desde pequenos que aprendemos que a saudade dói. E não deixa de ser verdade, até certo ponto.
A saudade é um sentimento de ausência, é um querer estar ou ter e não poder, é uma janela que nunca se fecha. Por norma, a saudade tem uma conotação má, uma sensação tão negativa que o ser humano aprende, desde cedo, a combater ao longo da vida.
Por influência social? Talvez.
Desde cedo vemos à nossa volta os que a sentem e como a sentem, e quase sempre é através de lágrimas e lamentos. Com isso crescemos e desenvolvemos todas as armas para a combater como se fosse um germe, um vírus, uma epidemia urgente de erradicar; como se a saudade pudesse instalar-se em cada célula, desenvolver resistência genética e propagar-se pelo corpo até corroer a alma e levar-nos o último sopro.
Mas apesar do hábito que criamos em relação à forma como os outros vivem a saudade, acredito que é possível alterar esse pensamento deturpado e em vez de sentirmos uma saudade como um sentimento devastador, pesado e vazio, é possível permitir-mo-nos sentir uma saudade que nos pode dar um tanto de bom. Para isso só é preciso duas coisas: deixarmos de ser parvos e sentirmos.

Todos os dias permito-me sentir a saudade. Saudade do homem que amo, do meu filho, do meu avô. E aqui temos três saudades distintas:

Saudade do homem que amo

Separam-nos 40 min de distância (Lisboa-Cascais). A qualquer hora podemos estar juntos, mas além disso temos um telemóvel e um computador que facilita a comunicação entre os dois. Ainda assim, ambos sentimos a saudade constante do querer estar do lado, agarrar a mão e não larga-la mais, o deixarmos de ser gente e passarmos a ser lapas em simbiose. Ao invés disso sabemos viver em individualidade (porque é obrigatório nunca deixarmos de ser "eu") conjugada com o "nós" e a saudade é só uma consequência do respeitarmos esse equilíbrio que qualquer relação a dois deve ter.
Se dói? Muito. Está na nossa natureza contrariarmos tudo o que nos possa provocar dor e a ausência provoca-a. Mas é aqui que entra o saber sentir: a melhor coisa que um casal pode sentir é a saudade. A saudade de voltar a reencontrarem-se ao fim do dia, depois de um dia extenuante perdidos na individualidade e nos sonhos de cada um, como se um fosse a bússola do outro pronta para apontar o Norte comum dos dois; a saudade do beijo e do abraço que nos encaixa de novo no puzzle do "nós"; a saudade de voltarmos a pertencer aos olhos do outro; a saudade de beber da fonte viva que é o coração do outro; a saudade de tocar no corpo onde vive metade de nós.
Eu sinto isto contigo e, oh meu Deus, como é bom sentir! Todos os dias aprendo mais e melhor a sentir a saudade porque é com ela que também aprendo a degustar todos os nossos momentos, é com ela que sei que o caminho faz-se andando de mão dada contigo e é com ela que tenho a certeza de que o amor que temos está vivo e bem de saúde.
Se muitos casais conseguissem olhar para a saudade como nós conseguimos olhar para a nossa o amor seria sempre saudável e existiriam menos divórcios. Porque o que estraga o amor é a ausência sim; da saudade.
Temos a virtude da insatisfação que nos leva a procurar a novidade, a descobrir o desconhecido, o que também nos leva ao defeito de que o que não é novo passa a desinteressante. E numa relação a dois esse é o maior desafio: descobrir e procurar o que ainda não conhecemos. O melhor mecanismo? A saudade, sem dúvida. Ela é o motor que nos faz percorrer distâncias para do longe fazer-se o perto, e isso não serve só para distâncias físicas mas também emocionais.

Saudade do meu filho

Sou uma mulher abençoada por te ter e faço questão de to mostrar todos os dias, mesmo quando esses dias não são tão bons. E a verdade é que já o dia vai a meio e só me apetece chegar a casa, abraçar-te e sentir esse cheiro de bebé quase extinto mas que ainda consigo sentir, beijar as tuas bochechas mai' lindas que fazem covinhas quando sorris (como as minhas), de sentir o teu abraço apertado (que quase me sufoca de tanto apertares o meu pescoço). Contigo o valor da saudade é ainda maior porque tu és um pedaço meu, literalmente. E sem ti não existiria nenhum ponto cardeal na minha vida, não haveria bússola capaz de me manter em terra. Ainda assim, a saudade diária que tenho de ti é tão boa que nos permite amar-mo-nos melhor quando voltamos para os braços um do outro.
Prometo-te que farei questão de a manter como a vivemos, mesmo quando voares para fora do ninho. Mas posso só pedir-te um favor, meu amor pequenino? Cresce devagarinho, sim?

Saudade do meu avô (o meu eterno ídolo)

Esta saudade é a que me dói mais. Porque ver-te implica fazer um esforço enorme por ter poucos flashes da tua fisionomia. Não fossem as fotografias guardadas pelo tempo e não me lembraria ao certo de como eras (eu era tão pequena quando me deixaste).
Tu sabes que falar de ti não é fácil mas é um orgulho que me deixa um embargo na voz. E apesar da saudade ser boa porque me relembra que estou viva, a que tenho de ti é uma aprendizagem contínua. Há dias em que ela me faz bem mas há outros em que ela me vence. Não é fácil encontrar um lado positivo na saudade de quem já não está, de quem amamos e não podemos ouvir ou abraçar. Mas sabes que mais? Esse lado existe. A saudade que tenho de ti obriga-me a aprimorar os cinco sentidos (e até o sexto!) que me permitem sentir-te por perto, ouvir-te, abraçar-te, conversar contigo. Já te disse que o amor faz milagres?
É a saudade que tenho de ti que nos ligará para sempre, é ela que alimenta o nosso amor todos os dias da minha vida, é ela que me ensina a amar mais e melhor os outros que cá estão e é ela que me conduzirá de volta aos teus braços quando a minha missão entrar em modo "the end". Espera-me, sim?

Perante isto, só posso concluir uma coisa: o valor da saudade tem muito mais de bom do que de mau. A saudade tem o valor que lhe quisermos dar.
No meu conceito, a saudade é amar com sabedoria, mas sobretudo é sermos corajosos para a sentir.
Não fosse ela e o valor do ter e do pertencer não tinham razão de existir. E é pertencendo que nos humanizamos.

ML




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