quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Ensaio sobre a felicidade

Como é que se é feliz? Qual a fórmula? Existe alguma?
A ciência, essa pioneira em descobertas e novidades; essa mulher sem rosto capaz de enlouquecer homens de todas as nações, capaz de desorientar pobres e ricos, capaz de provocar ruídos e pasmos ensurdecedores; esse capricho obsessivo que faz refém quem a respira. E ainda assim, não encontrou o pózinho de perlimpimpim para poderes comprar meio quilo ou duas toneladas de felicidade numa loja à tua beira.
Existem três categorias de pessoas: as que dizem que vêem a felicidade todos os dias, que se levantam e se deitam de mãos dadas com ela (não vá a menina fugir!); as que dizem que nunca a viram, não lhe reconhecem nem rosto nem forma e criticam os que julgam tê-la por se tratar de uma ilusão; e ainda as indecisas (e parvas também) por julgarem nunca se terem cruzado com ela mas que a imaginam e acreditam com a força (e coragem) profunda que vem da mais pequena partícula da alma de que ser-se feliz deve ser maravilhoso e que lutam todos os dias para, quiçá, arrebatá-la para todo o sempre (tipo euro-milhões 'tás a ver?).

Eu não sou moça dada à ciência porque eu cá não sou refém de porra nenhuma. Eu e ela temos uma relação familiar q.b., por isso não há abusos nem açambarcamentos de nenhuma das partes porque há todo um bom senso em mim que sabe distinguir o que é da alma e o que é dos homens. E da alma a ciência não percebe nada.
Poderíamos pensar na felicidade como um ensaio (e não, não é sobre a cegueira de Saramago). Recriávamos um reallity show do tipo "Ser feliz por um dia" e durante um dia fingíamos ser felizes. Podíamos fingir que somos ricos/as e que temos uma casa com piscina virada para o Guincho. que temos todo um rol de criaturas a rastejar (tipo lagartos) atrás de nós a desejarem até as nossas vísceras, que temos um famosozeco qualquer como marido ou uma barbie falsificada como esposa que nos gala e trata como príncipes ou princesas de última geração, podíamos até mandar fechar um shopping inteiro só para fazermos compras em silêncio sem atrapalhação nenhuma (só nós e as moscas), ou então viajar durante uma semana e recriar a versão "à procura de nemo" mas em formato estupidez "à procura da felicidade". Temo que mesmo assim não saberíamos o que é a felicidade; tudo não passaria de uma coisa fingida e forçada...por um dia.

Particularmente, eu já pertenci às três categorias citadas acima e neste momento encontro-me na categoria do "a caminho". Uma coisa eu já percebi, é que a felicidade não se encontra, não se compra e nem se ganha: constrói-se.
O meu conceito de felicidade passa por três fases: percepção, construção e consumação. A fase da percepção é quando passamos de ignorantes a despertos, é quando percepcionamos a felicidade em momentos, gestos, sons. paisagens, lugares, é quando deixamos de acreditar que a felicidade passa pelos outros e assumimos a responsabilidade de que ela depende de nós.
A fase posterior (e aquela onde me encontro presentemente) é a de construção, e esta sim é o mais longo e difícil processo da nossa vida porque implica alargar a linha de visão obrigando-nos a olhar não só em frente mas também para os lados, implica sermos humildes e aceitarmos as nossas próprias limitações, implica assumir-mo-nos com tudo aquilo que temos e somos e percebermos o que queremos ter e quem queremos ser no futuro, implica estabelecer um compromisso com e para a vida, implica tentativas/erros e com isso crescer sem culpas.
Por fim a fase da consumação, e para chegar aqui é uma questão de coisa pouca porque à medida que a felicidade vai sendo construída vamos experimentando a sensação de a sentir pois ela vem sempre de dentro para fora e o saber olhar-mo-nos e aceitarmo-nos é meio caminho andado para a conquistar.
Acredito que não existe melhor sensação do que vivermos bem connosco mesmos; e eis "o segredo" da felicidade. Lá chegarei!

A felicidade é também um ensaio sobre a cegueira de nós mesmos, sim, mas principalmente é um ensaio para a alma e cada vida é um ensaio, somados a outros, em busca desse tesouro que habita nela.
Perdemos tanto tempo à procura dos outros para alimentar a nossa felicidade, procuramos tanto essa sensação por ruas e vielas obscuras, perdemo-nos tanto de nós mal dizendo da felicidade que tarda em chegar, cegamo-nos com a ilusão de que ela existe algures para ser encontrada ou comprada e quando damos conta o tempo de ensaio terminou e temos que esperar por outra oportunidade cósmica para recomeçar a procura, outra vez.

Acredito que um dia, todos vamos perceber que a felicidade não é um modo: é um estado. Até lá, vamos ensaiando as vezes que forem precisas até acertarmos na fórmula universal de cada um.

ML

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