terça-feira, 7 de junho de 2016

Desculpa, desiludi-me.

Quanto mais vivo mais aprendo que a vida é uma autêntica batalha naval em que cada um tem o seu navio. De um lado estás tu com os que amas e os que julgas que te amam, do outro lado estão os teus inimigos, os que apostam tudo, até a vida, para derrubarem o teu navio, e tudo é uma questão de ataque e defesa a ver quem ganha.
Ainda não sei bem o que é que se ganha, nunca entendi o prémio final. Acredito que para muita gente é bom ver os outros esparramados e desfeitos aos seus pés, dá-lhes a altivez e a certeza que são maiores, porque a bem da verdade dali não passam, não sobem mais, portanto, ver os outros mais pequenos dá-lhes a sensação do poder que nunca irão ter.
Mas deixemos os inimigos para uma nova "insert coin". Foquemo-nos no lado de cá do tabuleiro, do lado onde tu estás, o lado onde aprendeste a construir o teu navio, onde aprendeste a nadar, onde aprendeste a inspirar e mergulhar sem saber como ou quando irias expirar e de novo respirar, onde existem outros navios que aprendeste a amar e outros que amas incondicionalmente sem saberes bem como e porquê, mas também aqueles de quem julgavas ter amor e não tens.
Em dias de boa maresia, dias em que reina a paz no teu navio, onde não há bombardeios do outro lado, tudo pacífico, às vezes, de repente, deparaste que começaram a bombardear o navio do teu vizinho, alguém que amas muito ou nem por isso, e tu só tens duas opções: ou deixas o teu navio, mesmo que exposto ao perigo, e vais em socorro do navio vizinho, ou deixaste ficar para proteger o teu.
Eu sou daquelas que sempre abandonou e negligenciou o seu navio em prol dos outros, mesmo quando via o meu navio a ser bombardeado, eu atirava uma bóia para não me afogar no caminho e lá ia eu rumo à salvação de quem estivesse a pedir socorro. Houve vezes em que regressei e o navio estava intacto, outras em que o vi meio massacrado mas ainda assim a flutuar, e outras até que o vi quase a afundar-se mesmo estando de coração cheio, afinal houve alguém que não ficou sem navio e isso bastava-me, dava-me a força necessária para reconstruir o meu navio e continuar com a convicção de que dias melhor viriam. O melhor da vida é que sempre que se regressa de uma viagem nunca se regressa da mesma maneira, no caminho de lá para cá vais aprendendo a ser mais e melhor.
Mas há sempre um dia em que alguém, ou a vida, te acerta em cheio e o teu navio pega fogo e pedes socorro. Entretanto olhas para o navio mais perto do teu e vês que também ele está a pegar fogo, e às tantas quando olhas para o teu e para o dele já vês o teu quase todo consumido quando o outro ainda só tem umas labaredas que meia dúzia de baldes de água apagam. Continuas a pedir socorro mas ninguém vem, gritas, abanas os braços, mandas mensagens engarrafadas, e ninguém continua a vir.
E é aí que percebes que não importa o navio dos outros, primeiro está o deles. Na verdade, o deles sempre esteve em primeiro. Nem todos podem ser altruístas como tu, é tudo uma questão de ser capaz de amar os outros incondicionalmente, e isso não se ensina, nasce connosco.
Por isso, quando alguém não estiver lá para apaziguar o fogo do teu navio ou até mesmo extingui-lo e disseres "desiludiste-me", lembra-te, não são os outros que nos desiludem, somos nós a nós próprios, porque fomos nós que construímos a ideia e acreditámos de que nunca estaríamos sozinhos caso o nosso navio pegasse fogo, fomos nós que confiámos, que criámos expectativas.
Os outros... os outros continuam nos seus navios, a protege-los como sabem, a viverem como querem, como podem. Por muito que te custe, não os culpes, há quem não consiga dar mais do que a sua ausência. Há quem lhes chame de egoístas, eu só lhes chamo marinheiros da vida onde salva-se quem puder.
Ninguém tem culpa de colocares nos outros a expectativa de estarem lá quando já não te restar mais nada, nem uma bóia, tal como tu também não tens culpa das falhas dos outros.
Acredita que é só mesmo isso, que tudo não passam de falhas, talvez assim te doa menos, talvez assim consigas ir em paz, construir outro navio, mais forte, mais digno de ti.
E lembra-te, quando vires um navio à tua volta a pegar fogo, pega em todo o amor que tens e de que és feito e vai, só nunca te esqueças do teu, do navio e do coração.






Sem comentários:

Enviar um comentário