sábado, 23 de janeiro de 2016

Conversas de divã

- Hoje estás muito sossegada, não é costume.
- Estou a pensar.
- Em quê?
- Não sei o que dizer.
- É quando tens mais para dizer.
- Não percebo.
- Não percebes o quê, o que acabei de dizer?
- Não. Não percebo o que se passa, o que é isto.
(silêncio)
- É tão forte que me deixa assolapada e assustada.
- Depois do que já viveste, acho que existe muito pouca coisa que te assuste.
- Sim, mas há coisas que vão para além do meu entendimento.
- Não tens que entender tudo.
- Mas preciso de controlá-las.
- E achas que consegues?
- Tento.
- O que é que tens que tentar?
- Controlar o que sinto.
(silêncio)
- Estás triste?
- Não. Desiludida.
- Porquê?
- Porque eu achava que era especial.
- E depois?
- Depois existe a outra.
- Existe sempre uma outra.
- Mas não faz sentido!
- Para ele faz, e basta.
- Não percebo.
- O quê?
- O que é que ela tem de tão cativante para o segurar por todos os poros.
- Não tens de perceber.
- Como assim?
- Tu podes tentar controlar o que tu sentes, não o que os outros sentem.
- É porque ele sente.
- Mas isso já era óbvio, não?
- Não.
- Porquê?
- Porque as pessoas mudam e eu pensei que ele tivesse aprendido.
- Tu mudaste porque quiseste muito, mas nem toda a gente quer. É preciso abdicar de muita coisa.
- Mas neste caso não há nada para abdicar, tudo o que ela lhe pode oferecer são pedaços de nada.
- Há quem se contente com pouco.
(silêncio)
- Pensava que eramos únicos.
- Pensaste mal.
- Que é que eu faço a isto?
- Deitas fora.
- Como assim? Não se pode simplesmente pegar no que se sente e mandar fora como lixo.
- Mas porque é que vais valorizar isso?
- Porque é o que eu sinto.
- Ele não valorizou, deixou-te sair pela porta principal, ainda te fez vénia.
- Eu não tinha escolha.
- Tinhas. Podias ficar e fingir que tudo o que ele faz, faz sentido e que nada te magoa, que é natural expor-te à outra, que não faz mal ele dizer que te quer mas pensar e desejar a outra.
- Pensava que era única.
- Aprendeste?
- Sem dúvida.

E depois acordei.

Sem comentários:

Enviar um comentário